Jacinto do Prado Coelho - edição anotada - Usa Jacinto do Prado Coelho(349)

Considerar a nossa maior angustia


L. do D.

5-4-1933

Considerar a nossa maior angustia como um incidente sem importancia, não só na vida do universo, mas na da nossa mesma alma, é o principio da sabedoria. Considerar isto em pleno meio d'essa angustia é a sabedoria inteira. No momento em que soffremos, parece que a dôr humana é infinita. Mas nem a dor humana é infinita, pois nada ha humano de infinito, nem a nossa dor vale mais que ser uma dor que nós temos.

Quantas vezes, sob o peso de um tedio que parece ser loucura, ou de uma angustia que parece passar além d'ella, paro, hesitante, antes que me revolte, hesito, parando, antes que me divinize. Dor de não saber o que é o mysterio do mundo, dor de nos não amarem, dor de serem injustos comnosco, dor de pesar a vida sobre nós, suffocando e prendendo, dor de dentes, dor de sapatos apertados — quem pode dizer qual é maior em si mesmo, quanto mais nos outros, ou na generalidade dos que existem?

Para alguns que me fallam e me ouvem, sou um insensivel. Sou, porém, mais sensivel — creio — que a vasta maioria dos homens. O que sou, comtudo, é um sensivel que se conhece, e que, portanto, conhece a sensibilidade.

Ah, não é verdade que a vida seja dolorosa, ou que seja doloroso pensar na vida. O que é verdade é que a nossa dor só é seria e grave quando a fingimos tal. Se formos naturaes, ella passará assim como veio, esbater-se-ha assim como cresceu. Tudo é nada, e a nossa dor nelle.

Escrevo isto sob a oppressão de um tedio que parece não caber em mim, ou precisar de mais que da minha alma para ter onde estar; de uma oppressão de todos e de tudo que me estrangula e desvaira; de um sentimento physico da incomprehensão alheia que me perturba e esmaga. Mas ergo a cabeça para o céu azul alheio, exponho a face ao vento inconscientemente fresco, baixo as palpebras depois de ter visto, esqueço a face depois de ter sentido. Não fico melhor, mas fico diferente. Ver-me liberta-me de mim. Quasi sorrio, não porque me comprehenda, mas porque, tendo-me tornado outro, me deixei de poder comprehender. No alto do céu, como um nada visivel, uma nuvem pequenissima é um esquecimento branco do universo inteiro.