Taxonomia Filosófica - Usa Jerónimo Pizarro(33)

Ecloga de Pedro


Ecloga de Pedro

Não sei onde te vi nem quando. Não sei se foi n'um quadro ou se foi no campo real, ao pé de arvores e hervas contemporaneas do corpo; foi n'um quadro talvez, tão idyllica e legivel é a memoria que de ti conservo. Nem sei quando isto [se] passou, ou se se passou realmente — porque póde ser que nem em quadro eu te visse —, mas sei com todo o sentimento da minha intelligencia que esse foi o momento mais calmo da minha vida.

Vinhas, boeirinha leve, ao lado de um boi manso e enorme, calmos pelo risco largo da estrada. Desde longe — parece-me — eu te vi, e vieste até mim e passaste. Pareceste não reparar na minha presença. Ias lenta e guardadora descuidada do boi grande. O teu olhar esquecera-se de lembrar e tinha uma grande clareira de vida de alma; abandonara-te a consciencia de ti propria. N'esse momento nada mais eras do que um ☐

Vendo-te recordei que as cidades mudam mas os campos são eternos. Chamam biblicas as pedras e aos montes, porque são os mesmos, do mesmo modo, que os dos tempos biblicos deviam ter sido.

É no recorte passageiro da tua figura anonyma que eu ponho toda a evocação dos campos, e a calma toda que eu nunca tive chega-me á alma quando penso em ti. O teu andar tinha um balouçar leve, um ondular incerto, em cada gesto teu pensava a idea d'uma ave; tinhas trepadeiras invisiveis enroscadas no ☐ do teu busto. O teu silencio — era o cahir da tarde e balia um cansaço de rebanhos, chocalhando, pelas encostas /pallidas/ da hora — o teu silencio era o canto do ultimo pegureiro que, por esquecido de uma ecloga nunca escripta de Virgilio, ficou eternamente incantado, e eterna nos campos, silhueta. Era possivel que estivesses sorrindo; para ti apenas, para a tua alma, vendo-te a ti na tua idea, a sorrir. Mas os teus labios eram calmos como o recorte dos montes; e o gesto, que deslembro, de tuas mãos rusticas engrinaldado com flores do campo.

Foi n'um quadro, sim, que te vi. Mas d'onde me vem esta idea de que te vi approximares-te e passares por mim e eu seguir, não me voltando para traz por te estar vendo sempre e ainda? Estaca o Tempo para te deixar passar, e eu erro-te quando te quero collocar na vida — ou na semelhança da vida.