Toda metafísica é a procura da verdade
Toda a metafísica é a procura da verdade, entendendo-se por Verdade a verdade absoluta. Ora a Verdade, seja ela o que for, e admitindo que seja qualquer coisa, se existe, existe ou dentro das minhas sensações, ou fora delas, ou tanto dentro como fora delas. Se existe fora das minhas sensações, é uma coisa de que eu nunca posso estar certo, não existe para mim, portanto, é, para mim, não só o contrário da Certeza, porque só das minhas sensações estou certo, mas o contrário de ser, porque a única coisa que existe para mim são as minhas sensações. De modo que, a existir fora das minhas sensações, a Verdade é para mim igual a Incerteza e não-ser — não existe e não é a verdade, portanto.
Mas concedamos o absurdo de que as minhas sensações possam ser o erro e não-ser (o que é absurdo, visto que elas, com certeza, existem) — nesse caso a verdade é o ser e existe fora das minhas sensações totalmente.
Mas a ideia Verdade é uma ideia minha; existe, por isso, dentro das minhas sensações: portanto, no que Verdade abstracta e fora de mim, a verdade existe dentro de mim, em contradição, portanto; e em erro, consequentemente.
Portanto, afixado este edital na nossa consciência, sabemos já que rumo dar àquilo a que chamamos ideias, sabemos que realmente não sabemos que rumo dar-lhes. Quanto mais nos embrenhamos pelas nossas sensações, mais nos aproximamos da verdade.
A outra hipótese é que a verdade exista dentro das minhas sensações. Nesse caso ou é a soma delas todas, ou é uma delas ou parte delas. Se é uma delas em que se distingue das outras?
Se é uma sensação, não se distingue essencialmente das outras; e, para que se distinguisse, era preciso que se distinguisse essencialmente. E se não é uma sensação, não é uma sensação?
Se é parte das minhas sensações, que parte?
As sensações têm duas faces — a de serem sentidas e a de serem dadas como coisas sentidas, a parte pela qual são minhas e a parte pela qual são "coisas".
É uma destas partes, que a Verdade, a ser parte das minhas sensações, tem de ser. Se é de qualquer modo um supor de sensações unificando-se numa só sensação, cai sob a garra do raciocínio que liquida a hipótese anterior.
Se é uma das duas faces — qual? A face "subjectiva"?
No primeiro caso é uma sensação minha como qualquer outra e já fica refutada no argumento anterior. No segundo caso, essa verdade é múltipla e diversa, é verdades — o que é contraditório com a ideia de verdade, valha ela o que valer.
Será então a face "objectiva"?
O mesmo argumento se aplica, porque ou é uma unificação dessas sensações numa ideia de uma verdade existir — e essa ideia ou não é nada ou é uma sensação minha e se é uma sensação, já fica refutada essa hipótese; ou é de uma verdade exterior, e isso reduz-se à mera contradição entre pluralidade de verdades e a essência da ideia de verdade.
Resta analisar se a verdade é o conjunto[?] das nossas sensações.
Essas sensações ou são como unas ou como muitas. No primeiro caso, voltamos à já rejeitada hipótese. No segundo caso, a Verdade como ideia desaparece, porque se consubstancia com a totalidade das nossas sensações.
Mas para ser a totalidade das nossas sensações, mesmo concebidas como nossas sensações, unicamente, a verdade fica dispersa — desaparece.
Porque, ou se baseia na ideia de totalidade que é uma ideia (ou sensação) nossa, ou não se apoia em parte nenhuma.
Mas nada prova, mesmo, a identidade de verdade e totalidade. Portanto, a verdade não existe.
Mas nós temos a ideia...
Temos, mas vemos que não corresponde a "Realidade" nenhuma, se é que Realidade significa qualquer coisa.
A única realidade para mim são as minhas sensações. Eu sou uma sensação minha. Portanto nem da minha própria existência estou certo. Posso está-lo apenas daquelas sensações a que eu chamo minhas.
A Verdade é portanto uma ideia ou sensação, mas não sabemos de quê, sem nos explicarmos se é sentimento ou valor, como nos ensinaram para frasear. De "real" temos apenas as nossas sensações, mas "real" (que é uma sensação nossa) não significa nada, nem mesmo "significa" supor qualquer coisa, nem sensação tem um sentido, nem ter um sentido é coisa que tenha sentido algum.
Tudo é o mesmo mistério. Reparemos, porém, que nem tudo precisa dizer coisa alguma ou justamente precisa de significação.
Ficamos, portanto, com as nossas sensações por única realidade sentida,
sabendo que as sensações não têm sequer sentido nenhum (...)
A verdade? É uma coisa exterior? Não posso ter a certeza dela, porque não é uma sensação minha, e eu só destas tenho a certeza. Uma sensação minha? De quê?
Procurar o sonho é pois procurar a verdade, visto que a única verdade
para mim sou eu próprio. Isolar-me tanto quanto possível dos outros
é respeitar a verdade.
Para de algum modo nos exprimirmos — a crer que seja necessário exprimirmo-nos, ou exprimirmo-nos seja coisa para entender —, o que podemos fingir que afirmamos é que as nossas sensações são os nossos sonhos das nossas sensações...
O sonho — entendendo por sonho aquilo que nós criamos como uma realidade — é pois tudo.