(a)notações gráficas - Usa Jerónimo Pizarro(541)

Toda a metaphysica é a procura


II.

Toda a metaphysica é a procura da verdade, entendendo por Verdade a verdade absoluta. Ora a Verdade, seja ella o que fôr, e admittindo que seja qualquér cousa, se existe existe ou dentro das minhas sensações, ou fóra d'ellas ou tanto dentro como fóra d'ellas. Se existe fóra das m[inhas] sensações, é uma cousa de que eu nunca posso estar certo, não existe para mim portanto; é, para mim, não só o contrario da Certeza, porque só das m[inhas] sensações estou certo, mas o contrario de sêr porque a unica cousa que existe para mim são as minhas sensações. De modo que, a existir fóra das m[inhas] sensações, a Verdade é para mim egual a Incerteza e não-ser — não existe e não é verdade, portanto. Mas concedamos o absurdo de que as m[inhas] sensações possam ser o erro, e não-ser (o que é absurdo, visto que ellas, com certeza, existem) — n'esse caso a verdade é o ser e existe fóra das m[inhas] sensações totalmente. Mas a idéa Verdade é uma idéa minha; existe, porisso, dentro das m[inhas] sensações: portanto, no que Verdade absoluta e fóra de mim, a verdade existe dentro de mim — contradicção, portanto; e erro, consequentemente.

A outra hypothese é que a verdade existe dentro das m[inhas] sensações. N'esse caso ou é a soma d'ellas todas, ou é uma d'ellas, ou parte d'ellas. Se é uma d'ellas, em que se distingue das outras? Se é uma sensação, não se distingue essencialmente das outras; e para que se distinguisse, era preciso que se distinguisse, essencialmente. E se não é uma sensação, não é uma sensação? — Se é parte das m[inhas] sensações, que parte?

As sensações teem 2 faces — a de serem sentidas e a de serem dadas como cousas sentidas, a parte pela qual são minhas e a parte pela qual são de "Cousas". É uma d'estas partes, que a Verdade, a ser parte das m[inhas] sensações, tem de ser. ( Se é de qualquer modo um grupo de sensações unificando-se ao constituir uma só sensação, cahe sob a garra do raciocinio que liquida a hypothese anterior. ) Se é uma das duas faces — qual? A face "subjectiva"? Ora essa face subjectiva apparece-me sob uma das 2 fórmas — ou a da m[inha] "individualidade" una ou de uma multipla individualidade "minha". No 1º caso é uma sensação m[inha] como qualquér outra e já fica refutada no argumento anterior. No 2º caso, essa verdade é multipla e diversa, é verdades — o que é contraditorio com a ideia de Verdade, valha ella o que /valer/. — Será então a face objectiva? — O mesmo argumento se applica, porque ou é uma unificação d'essas sensações n'uma idéa de um mundo exterior — e essa idéa ou não é nada ou é uma sensação m[inha], e se é uma sensação, já fica refutada essa hypothese; ou é de um multiplo mundo exterior, e isso reduz-se a uma contradicção entre pluralidade de verdades e a essencia da idéa de Verdade.

Resta analysar se a verdade é o conjuncto das m[inhas] sensações. Essas sensações ou são tomadas como uma ou como muitas. No 1º caso voltamos á já rejeitada hypothese. No 2º caso a Verdade como idéa desapparece, porque se consubstancia com a totalidade das m[inhas] sensações. Mas para ser a totalidade das m[inhas] sensações, mesmo concebidas como m[inhas] sensações, núamente, a verdade fica dispersa — desapparece. Porque, ou se baseia na idéa de totalidade, que é uma idéa (ou sensação) nossa, ou não se apoia em parte nenhuma. Mas nada prova, mesmo, a identidade de verdade e totalidade. Portanto, a verdade não existe.

Mas nós temos a idéa...

Temos, mas vemos que não corresponde a "Realidade" nenhuma, suposto que Realidade significa qualquér cousa. A Verdade é portanto uma idea ou sensação n[ossa], não sabemos de quê, sem significação, proposito ou valôr, como qualquér outra sensação nossa.

Ficamos portanto com as n[ossas] sensações por unica "realidade", entendendo que "realidade" não tem aqui sentido nenhum, mas é uma convivencia para phrasear. De "real" temos apenas as n[ossa]s sensações, mas "real" (que é uma sensação nossa) não significa nada, nem mesmo "significa" significa qualquer cousa, nem sensação tem um sentido, nem "ter um sentido" é cousa que tenha sentido algum. Tudo é o mesmo mysterio. Reparo porém em que nem tudo quer dizer cousa alguma, nem "mysterio" é palavra que tenha significação.