e as algas como molhados cabellos


e as algas como molhados cabellos empastando o rosto morto das aguas.

Um som suave de rio largo, uma indecisa frescura aquatica, uma saudade audivel, occulta, um marulho morto de movimento.

Leves, leves as sombras calmas.

A noite era cheia d'aquellas pequenas nuvens muito brancas, que se destacam umas das outras como ☐. Vista atravez de uma ou da outra d'ellas, a lua tinha em seu torno um halo azul, castanho e amarello, com uns tons suppostos de verde vago. Entre as arvores o ceu era de um azul negro profundissimo, longinquo, irrevogavel. As estrellas viam-se ora atravez das nuvens, ora, muito longe, nas [...] entre ellas. Uma saudade de cousas idas, de grandes passados da alma, talvez porque em /re/incarnações antigas, olhos nossos, no corpo physico, houvesse visto este luar sobre florestas longinquas, quando selvatica ainda, a alma infanta talvez pressentia, por uma memoria em Deus, ao contrario, no futuro das suas reincarnações, esta lua retrospectiva. E assim essas doces horas davam mãos de sombra por sobre a minha cabeça abatida.


Título: e as algas como molhados cabellos
Heterónimo: Não atribuído
Número: 567
Página: 508 - 509
Data: 1915 (low)
Nota: [94-99r];
Nota: Jerónimo Pizarro edita este texto em apêndice, no conjunto "Textos sem destinação certa inventariados fora do núcleo" (2010: 490-516).