Edição Teresa Sobral Cunha - Usa Teresa Sobral Cunha(439)

A história nega as coisas certas


A história nega as coisas certas. Há períodos de ordem em que tudo é vil e períodos de desordem em que tudo é alto. As decadências são férteis em virilidade mental; as épocas de força em fraqueza do espírito. Tudo se mistura e se cruza, e não há verdade senão no supô-la.

Tantos nobres ideais caídos entre o estrume, tantas ânsias verdadeiras extraviadas entre o enxurro!

Para mim são iguais, deuses ou homens, na confusão prolixa do destino incerto. Desfilam-me, neste quarto andar incógnito, em sucessões de sonhos, e não são mais para mim do que foram para os que acreditaram neles. Manipansos dos negros de olhos incertos e espantados, deuses-bichos dos selvagens de sertões emaranhados, símbolos figurados de egípcios, claras divindades gregas, hirtos deuses romanos, Mitra, senhor do Sol e da emoção, Jesus Messias da consequência e da caridade, critérios vários do mesmo Cristo, santos novos deuses das novas vilas, todos desfilam, todos, na marcha fúnebre (romaria ou enterro) do erro e da ilusão.

Marcham todos, e atrás deles marcham, sombras vazias — os sonhos que, por serem sombras no chão, os piores sonhadores julgam que estão assentes sobre a terra —, pobres conceitos sem alma nem figura, Liberdade, Humanidade, Felicidade, o Futuro Melhor, a Ciência Social, e arrastam-se na solidão da treva como folhas movidas um pouco para a frente por uma cauda de manto régio vestido no exílio eterno dos reis, por os mendigos que ocuparam os jardins da casa da derrota.