Taxonomia Filosófica - Usa Jerónimo Pizarro(111)

Ás vezes, nos meus dialogos


L. do D.

Ás vezes, nos meus dialogos commigo, nas tardes requintadas da Imaginação, em coloquios cansados em crepusculos de salões suppostos, pergunto-me, n'aquelles intervallos da conversa em que fico a sós com um interlocutor mais eu do que os outros, porque razão verdadeira não haverá a nossa epoca scientifica estendido a sua vontade de comprehender até aos assumptos que são artificiaes. E uma das perguntas em que com mais languidez me demoro é a porque se não faz, a par da psychologia usual das creaturas humanas e sub-humanas, uma psychologia tambem — que a deve haver — das figuras artificiaes e das creaturas cuja existencia se passa apenas nos tapetes e nos quadros. Triste noção tem da realidade quem a limita ao organico, e não põe a idea de uma alma dentro das estatuetas e dos lavôres. Onde ha forma ha alma.

Não são uma ociosidade estas minhas considerações commigo, mas uma elucubração scientifica como qualquér outra que o seja. Porisso, antes de e sem ter uma resposta, supponho o possivel actual e entrego-me, em analyses interiores, á visão imaginada de aspectos possiveis d'este /desideratum/ realizado. Mal n'isso penso, logo dentro da visão do meu espirito surgem scientistas curvados sobre estampas, sabendo bem que elles são vidas; microscopistas da tessitura rugosa dos tapetes, physicistas do seu desenho largo e bruxoleante nos contornos, chimicos, sim, da idéa das formas e das côres nos quadros; geologistas das camadas estracticas dos camapheus; psychologos, enfim — e isto mais importa — que uma a uma notam e congregam as sensações que deve sentir uma estatueta, as idéas que devem passar pelo psychismo colorido de uma figura de quadro ou de vitral, os impulsos loucos, as paixões sem freio, as compaixões e odios ocasionaes e ☐ que teem uma curiosa especie de fixidezes e morte nos gestos eternos dos baixos-relevos, nos invisiveis movimentos dos figurantes nas telas.

Mais do que outras artes, são a literatura e a musica propicias ás subtilezas de um psychologo. As figuras de romance são — como todos sabem — tão reaes como qualquér de nós. Certos aspectos de sons teem uma alma alada e rapida, mas susceptivel de psychologia e sociologia. Porque — bom é que os ignorantes o saibam — as sociedades existem dentro das cores, dos sons, das phrases, e ha regimes e revoluções, reinados, politicas e ☐ — ha-os em absoluto e sem metaphora — no conjuncto mathematico das simphonias, no Todo organizado das novellas, nos metros quadrados d'um quadro complexo, onde gosam, soffrem, e misturam as attitudes coloridas de guerreiros, de amorosos, ou de symbolicos.

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Quando se quebra uma chavena da m[inha] colecção japoneza, eu sonho que mais do que um descuido das mãos de uma serva tinham sido a causa, ou tinham estado os anseios das figuras que habitam as curvas d'aquella ☐ de louça; a resolução tenebrosa de suicidio que as tomou não me causa espanto. Serviram-se da creada, como um de nós de um revolver. Saber isto é estar além da sciencia hodierna, e com que precisão eu sei isto!