Amor - Usa Jerónimo Pizarro(159)

Cada vez que viajo


L. do D.

Cada vez que viajo, viajo muito. O cansaço que trago commigo de uma viagem de comboio até Cascaes é como se fôsse o de ter, n'esse pouco tempo, percorrido as paysagens de campo e cidade de quatro ou cinco paizes.

Cada casa por que passo, cada chalet, cada casita isolada caiada de branco e de silencio — em cada uma d'ellas n'um momento me concebo vivendo, primeiro feliz, depois tediento, cansado depois; e sinto, que, tendo-a abandonado, trago commigo uma saudade enorme do tempo em que lá vivi. De modo que todas as minhas viagens são uma colheita dolorosa e feliz de grandes alegrias, de tedios enormes, de innumeras falsas saudades.

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Depois, ao passar deante de casas, de "villas", de chalets, vou vivendo em mim todas as vidas das creaturas que alli estão. Vivo todas aquellas vidas domesticas ao mesmo tempo. Sou o pae, a mãe, os filhos, os primos, a creada e o primo da creada, ao mesmo tempo e tudo junto, pela arte especial que tenho de sentir ao mesmo [tempo] varias sensações diversas, de viver ao mesmo tempo — e ao mesmo tempo por fóra, vendo-as, e por dentro sentindo-m'as — as vidas de varias creaturas.

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Criei em mim varias personalidades. Crio personalidades constantemente. Cada sonho meu é immediatamente, logo ao apparecer sonhado, encarnado n'uma outra pessoa, que passa a sonhal-o, e eu não.

Para crear, destrui-me; tanto me exteriorizei dentro de mim, que dentro de mim não existo senão exteriormente. Sou a scena núa onde passam varios actores representando varias peças.