MARCHA FÚNEBRE


MARCHA FÚNEBRE

Figuras hieráticas, de hierarquias ignotas, se alinham nos corredores a esperar-te — pajens de frescura loura, jovens de (...) em cintilares dispersos de lâminas nuas, em reflexos irregulares de capacetes e adornos altos, em vislumbres sombrios de ouro fosco e sedas.

Tudo quanto a imaginação adoece, o que de fúnebre dói nas pompas e cansa nas vitórias, o misticismo do nada, a ascese da absoluta negação.

Não os sete palmos de terra fria que se fecham sobre os olhos fechados sob o sol quente e ao lado da erva verde, mas a morte que excede a nossa vida e é uma vida ela mesma — uma morta presença em deus, o ignoto deus da religião que porventura os Deuses lembram.

O Ganges passa também pela Rua dos Douradores. Todas as épocas estão neste quarto estreito — a mistura (...), a sucessão multicolor das maneiras, as distâncias dos povos e a vasta variedade das nações.

E ali, em êxtase numa só rua, sei esperar a Morte entre gládios e ameias.


Título: MARCHA FÚNEBRE
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 404
Página: 336
Nota: [114(1)-18, ms.];